Rapaz, se eu fosse o pregoeiro que resolveu tocar uma licitação de R$ 23,5 milhões pela caixa de entrada do e-mail, já tinha comprado um bom travesseiro. O Tribunal de Contas do Estado não engoliu a gambiarra e o próprio despacho relata que, diante da incapacidade do sistema eletrônico para operacionalizar o critério “técnica e preço”, o servidor determinou que os licitantes enviassem documentação por e-mail institucional. Fora da plataforma oficial. Sem registro público. Sem rastreio. Sem transparência. Veja aqui o documento.
Pra quem não manja do riscado: isso não é “jeitinho operacional”. É colocar o processo mais importante da prefeitura dentro de um armário trancado — onde só o pregoeiro e quem ele autorizar têm a chave. E em licitação pública, armário fechado significa suspeita. E suspeita, quando bate no TCE, vira investigação.
Por que enviar por e-mail é um problemão? Sem registro público: o sistema eletrônico guarda data, hora, conteúdo, histórico de alterações. O e-mail não garante isso de forma pública e auditável. Sem rastreabilidade: dá pra manipular arquivos, aceitar documentos fora de prazo, ou simplesmente não deixar rastro do que foi recebido. Sem isonomia: o princípio básico da licitação é tratar todo mundo igual. E-mail abre espaço para tratamento desigual. Sem publicidade: o cidadão paga a conta e tem direito de fiscalizar. Pelo e-mail, a sociedade fica de fora.
Quais podem ser as responsabilizações — e que noites sem dormir o pregoeiro pode encarar?
Vou listar, com cuidado, as possíveis consequências que costumam recair sobre servidores que conduzem processo licitatório de forma irregular. Importante: isso não é sentença — são cenários possíveis a partir do que o despacho do TCE descreve. Anulação dos atos da licitação: O Tribunal de Contas pode determinar a suspensão imediata do certame e a republicação do edital. Se comprovado o vício, a adjudicação e eventual contrato podem ser anulados. Responsabilização administrativa: Processo disciplinar pode ser aberto pela administração pública: advertência, suspensão e até demissão por improbidade administrativa ou por infração disciplinar. Ação de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992).
Se for entendido que houve violação aos princípios da administração (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), o servidor pode responder a ação de improbidade — com penas que incluem perda de função pública, suspensão dos direitos políticos, multa e ressarcimento ao erário. Responsabilização civil: Indenização por danos ao erário e obrigação de devolver valores, caso o procedimento tenha causado prejuízo financeiro ao município. Investigação pelo Ministério Público e remessa ao Ministério Público de Contas: O TCE já prevê encaminhar o caso ao Parquet de Contas — o que geralmente abre caminho para investigação mais profunda e eventual denúncia ao Ministério Público Estadual.
Possível repercussão penal: Dependendo dos fatos apurados — prova de favorecimento, fraude ou conluio — podem surgir elementos para investigação criminal (por exemplo, crimes vinculados a fraudes em procedimentos licitatórios, que podem ensejar investigação policial e oferecimento de denúncia pelo MP). Sanções administrativas e de inabilitação: O servidor (e, eventualmente, empresas favorecidas) pode sofrer sanções que impedem a participação em licitações por período determinado; contratos celebrados podem ser rescindidos. Medidas cautelares: Em casos graves, o TCE ou o Judiciário podem decretar indisponibilidade de bens ou outras medidas para resguardar o erário.
Se eu fosse o tal pregoeiro, já tinha trocado a senha do e-mail e arrumado um bom advogado. Porque, minha nossa senhora, essa noite promete ser longa. E o sono? Esse aí, meu amigo, vai faltar.





