Projeto bilionário de ferrovia entre Ilhéus (BA) e o porto de Chancay, no Peru, avança com acordo Brasil-China e pode reduzir tempo de transporte em até 12 dias. Estudo técnico começa agora, com promessa de revolução logística no continente
O Brasil e a China deram, nesta segunda-feira (7), um passo decisivo para o que pode se tornar uma das maiores obras de infraestrutura da América do Sul: uma ferrovia transcontinental que ligará o porto de Ilhéus, na Bahia, ao porto de Chancay, no Peru — conectando, pela primeira vez, os oceanos Atlântico e Pacífico por trilhos. O projeto, que poderá transformar as relações comerciais do Brasil com a Ásia, prevê a travessia de milhares de quilômetros e promete ser um divisor de águas para a logística de exportação no continente.
Apesar de ainda estar em fase embrionária, o acordo assinado entre a estatal brasileira Infra S.A. e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Econômico China Railway, por videoconferência, já repercute no meio político e empresarial. A iniciativa prevê estudos técnicos detalhados, com duração inicial de cinco anos, para avaliar a viabilidade econômica, social e ambiental da megaestrutura ferroviária.
Um corredor de trilhos e oportunidades
O traçado preliminar da chamada “Nova Ferrovia Bioceânica” inclui passagens pelos estados da Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre antes de atravessar a fronteira com o Peru. No território peruano, os trilhos seguem até o moderno porto de Chancay, inaugurado em 2024 com financiamento chinês e projetado para ser um dos principais pontos logísticos da América Latina.
A iniciativa faz parte de um movimento estratégico que, mesmo sem adesão formal, se conecta à Nova Rota da Seda — o ambicioso plano chinês de integração comercial global por meio de investimentos em infraestrutura em países parceiros.
Ganho de tempo e economia bilionária
De acordo com estimativas do governo peruano, o novo corredor pode reduzir de 40 para 28 dias o tempo médio de transporte de cargas entre o Brasil e a Ásia. Essa diminuição, de quase duas semanas, representa não apenas agilidade, mas também redução significativa de custos logísticos, especialmente ao substituir o transporte rodoviário por modais mais eficientes, como ferrovia e navegação marítima.
Além disso, a ferrovia criaria um novo eixo de escoamento de commodities brasileiras — como soja, milho, carne e minérios — sem depender exclusivamente dos portos do Sudeste, muitas vezes sobrecarregados e distantes dos polos produtores do Centro-Oeste e Norte.
Um sonho antigo com nova roupagem
A proposta de uma ferrovia transcontinental não é nova. Ainda entre 2015 e 2016, durante o governo Dilma Rousseff, houve tentativas de articulação do projeto com apoio chinês, mas o cenário político e econômico instável na época travou os avanços. Agora, com maior estrutura técnica, vontade política e infraestrutura mais consolidada, o Ministério dos Transportes acredita na viabilidade da empreitada.
“O momento é de integração continental, de olhar estratégico. Estamos falando de um passo técnico e diplomático que pode mudar a posição do Brasil no comércio internacional”, afirmou o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro.
Sustentabilidade e intermodalidade no foco
O novo acordo inclui um pacote de estudos sobre a estrutura logística brasileira, com foco na intermodalidade — ou seja, a combinação de ferrovias, hidrovias e rodovias — e na sustentabilidade econômica, ambiental e social do projeto. Segundo o governo, o objetivo é não apenas garantir um corredor eficiente de exportação, mas também impulsionar o desenvolvimento regional por onde a ferrovia passar.
A ideia é aproveitar, sempre que possível, trechos ferroviários já existentes no Brasil, embora o governo ainda não tenha especificado quais linhas poderiam ser integradas à nova malha. Isso pode reduzir os custos totais da obra, que ainda não foram estimados oficialmente.
Próximos passos
Com a assinatura do memorando de entendimento, as equipes técnicas brasileiras e chinesas vão iniciar os primeiros levantamentos ainda neste ano. Somente após a conclusão desses estudos será possível definir prazos, traçados definitivos, possíveis impactos ambientais e modelos de financiamento para o projeto — que dependerá também de acordos com o governo peruano para a construção do trecho em território vizinho.
Apesar da complexidade e dos desafios, o governo brasileiro trata a ferrovia como um projeto estratégico de Estado, com potencial de reposicionar o país no tabuleiro global do comércio exterior.
Se sair do papel, a ferrovia bioceânica será muito mais do que um elo logístico: será um símbolo de uma nova era de integração entre América do Sul e Ásia, com o Brasil no papel de protagonista.





